Apresentaremos
nesta publicação os procedimentos e a metodologia utilizada por Normand,
Machado, Hustyi e Morley (2011) em um estudo em que um dos focos é estudar
possibilidades de aprendizagem em um contexto de linguagem de sinais com
crianças com desenvolvimento típico. Os autores partem de princípios
básicos da Análise do Comportamento e o texto original pode ser obtido aqui.
O
Behaviorismo Radical, princípio filosófico da Análise do Comportamento proposto
por B. F. Skinner, tem um especial interesse em responder a pergunta “por que
os organismos se comportam da forma que o fazem?”. Para tentar responder a esta
pergunta, o Behaviorismo Radical adota um modelo selecionista de causalidade
para os comportamentos dos indivíduos, análogo à Seleção Natural de Darwin. Para
a Análise do Comportamento, torna-se importante buscar as funções dos
comportamentos-alvo e compreender as variáveis envolvidas em seu acontecimento
(e responder, entre outras perguntas: o que acontece antes do comportamento?
Como ele ocorre e em quais circunstâncias? Quais são suas consequências?) a fim
de poder prevê-los e controlá-los.
Tem-se
conhecimento do desenvolvimento, nas últimas décadas, de muitos estudos que
enfocam a importância do ensino da linguagem de sinais para crianças. No
entanto, tais pesquisas costumavam ser limitadas por conta do uso de
procedimentos não-sistemáticos de ensino da língua de sinais. Diante desse
cenário, Thompson (et al., 2007, citado em Normand et al., 2011) desenvolveu um
estudo, no qual propôs demonstrar a eficácia de um procedimento de “dica” e
reforçamento para o aprendizado desse tipo de linguagem: o experimentador
fornecia estímulos ou modelos de imitação para as crianças e, quando elas
conseguiam fazer os sinais de modo correto, recebiam uma espécie de gratificação
(chamado aqui de “reforço”).
Para Skinner,
falas ou gestos que são utilizados na comunicação das pessoas (denominados
comportamentos verbais) são influenciados por variáveis ambientais, ou seja,
pelos elementos que fazem parte do contexto da sua emissão e pelo impacto que
causam no ambiente após essa emissão. Desse modo, pode-se dizer, ainda, que estes
comportamentos apresentam uma função específica no ambiente e Skinner propôs
uma classificação dessas funções. Abaixo, a tabela ilustra apenas algumas das
funções e denominações propostas:
Tabela 1. Denominações de
comportamentos verbais
Função
|
Denominação
|
Pedido, comando
ou sugestão
|
“Mando”
|
Descrever
algo que está sendo visto, contactado ou sentido
|
“Tato”
|
Imitar as
verbalizações de outras pessoas
|
“Ecóico”/”mimético”
|
Tabela 1:
Exemplos de comportamentos verbais estudados pela Análise do Comportamento, a
partir de sua função.
Os estudos
no campo do Comportamento Verbal e as estratégias de ensino da linguagem de
sinais descritas por Thompson et al.,(2007) forneceram subsídios para outras
pesquisas que avaliaram as funções de sinais ensinados a crianças que
apresentavam desenvolvimento atípico (autismo, por exemplo). Através do
desenvolvimento de análises funcionais, tais estudos buscavam descobrir que
elementos, estando presentes antes e depois do sinal ser apresentado pela
criança, podem facilitar seu aprendizado e que impacto eles, de fato, em quem
os recebe.
Esta
pesquisa de Normand et al (2011) é a primeira, até a sua publicação, que relata
a utilização da metodologia de análise funcional do comportamento verbal em
treinos de comunicação de sinais que foi realizada com crianças com
desenvolvimento típico. Seu objetivo
principal foi testar a generalização desse aprendizado para além das situações
do experimento após o treino dessa linguagem.
O estudo
contou com a participação de três crianças (Julie e Ed com oito meses de idade
e Yvonne com um ano e três meses de idade) alunas de uma mesma creche e que ainda
não haviam desenvolvido a fala vocalizada. Cuidadores das crianças indicaram
que tipo de alimento ou de objeto poderiam ser utilizados como reforçadores dos
comportamentos-alvo: um tipo de prêmio apresentados para crianças (ou seja, que
funcionariam como estímulos para que tais comportamentos voltassem a ocorrer).
Desse modo, para Julie, era requerido um gesto para conseguir molho de maçã;
para Ed., era solicitado um outro gesto para conseguir acesso a um chocalho; e
para Yvonne, era requerido um sinal para conseguir pêras.
Foram
realizadas de uma a três sessões por dia, alguns dias por semana. Cada sessão
tinha duração de cinco minutos e eram gravadas para análise posterior de
observadores. Durante as sessões, não havia outras pessoas e foram
contabilizados quantos sinais eram emitidos com as dicas dadas pelo
experimentador e quantos eram emitidos de forma independente (sem dicas). Realizaram-se
os cinco procedimentos descritos abaixo:
Linha de
base inicial: Em um
primeiro momento, prêmios (molho de maça, chocalho e pêra) eram apresentados a
cada período de 10 segundos, independente do comportamento apresentado pela
criança durante a sessão.
Treino de
Sinais: Em seguida, Para Julie e Yvonne, era
apresentado o modelo do gesto logo no começo de cada sessão, ou seja, o
experimentador fazia o gesto. Caso, após cinco segundos, as participantes não
fizessem o sinal, o experimentador as auxiliava fisicamente, e então era
fornecido o reforçador. Em cada sessão seguinte, a apresentação dos modelos era
progressivamente atrasada até que, em três sessões consecutivas, as crianças
apresentassem os sinais de forma independente durante o atraso mais longo. Já
com Ed, a primeira dica era vocal (“O que você quer?”) e, caso o sinal não
fosse apresentado em até cinco segundos, então o experimentador repetia a
pergunta apresentando o chocalho. Caso, ainda assim, não houvesse a
resposta-alvo após cinco segundos, os modelos seguiriam como os das meninas.
As outras
três etapas encontram-se sintetizadas e descritas na Tabela 2 abaixo.
Tabela 2.
Retorno à linha de base
|
Retorno ao treino de sinais
|
Análises Funcionais
|
Procedimento
similar à primeira fase, no entanto, o período entre a liberação de reforços
era somado à metade do período entre as respostas apresentadas na fase de
treino.
|
Procedimentos parecidos aos da primeira fase
de treino, entretanto, o atraso para as dicas verbais ou de modelo se
mantinha constante (cinco segundos). As sessões continuavam até que se
observasse um aumento da emissão independente de sinais.
|
Ocorria
entre as fases de retorno ao treino de sinais. Para realizar análises
funcionais, foram realizadas sessões testes e sessões controle, que permitiam
O principal objetivo aqui era avaliar a função dos sinais emitidos como um
mando, um tato ou um mimético.
|
Tabela 2:
Outros procedimentos realizados pelos experimentadores para obter os resultados.
Os resultados indicaram que durante as sessões de Linha de Base Inicial, dois
participantes (Julie e Ivonne) não emitiram sinais, enquanto, o participante Ed
emitiu sinais independentes que diminuíram a zero dentro de quatro sessões.
Durante a fase do Treino de Sinais,
houve o aumento de gestos independentes para os três participantes. Com o Retorno à Linha de Base, os
participantes Julie e Ed, diminuíram a emissão de sinais a zero dentro de cinco
e três sessões, respectivamente. A participante Ivonne, inicialmente, aumentou
a emissão de sinais que foi seguida por uma diminuição imediata a níveis
próximos de zero. O Retorno ao Treino de
Sinais indicou que para os três participantes houve um aumento do sinalizar
independente a níveis mais altos do que os observados durante a fase inicial do
treino de sinais. As Análises Funcionais
indicaram que os três participantes sinalizaram mais frequentemente durante as
sessões do teste de mando, com poucos sinais observados durante a condição de
teste mimético, no entanto, o participante Ed também sinalizou, ocasionalmente,
durante a condição do teste de tato. Esses resultados indicam que os sinais
para “molho de maçã”, “pêra” e “chocalho” funcionaram como um mando e um
mimético para os participantes Julie, Ivonne e Ed, respectivamente.
Como já
visto em outros experimentos e diante de algumas condições, as crianças que
participaram do estudo aprenderam os sinais (em alguns momentos fica mais claro
do que em outros) ao longo de algumas sessões. Além disso, muito embora estas
análises tenham sido feitas em indivíduos com o desenvolvimento típico, também demonstra subsídios com jovens
crianças com autismo ou outro desenvolvimento atípico.
Os resultados
podem ser importantes para entendermos como se dá o
desenvolvimento da linguagem e utilizar
na aquisição de programas que ajudem a desenvolver a
mesma. Porém, é
importante que as investigações nessa área não parem por aqui. Descrições são
necessárias como ferramentas de práticas clínicas que visam acompanhar o
progresso e identificar possíveis déficits. Talvez, o entendimento mais
completo em cima da aquisição da linguagem
proporcione uma tecnologia de ensino mais eficiente e efetiva.
Para refletir...!
1 – Com base nos resultados
alcançados nesse trabalho, a partir da Análise Funcional do comportamento
verbal, haveria algum “ponto de encontro” entre Análise do Comportamento e
outras disciplinas?
2 – Diante
do que foi exposto, qual a contribuição de pesquisas nesse sentido para o
ensino de linguagem de sinais?
3 – Seria
viável/possível uma “prática” escolar com base nos recursos da Análise
Funcional do comportamento verbal que auxiliasse um melhor desenvolvimento da
linguagem em crianças com desenvolvimento atípicos (agnosia, por exemplo)?
Bibliografia Básica
Normand,
M. P., Machado, M. A., Hustyi, K. M., & Morley, A. J. (2011). Infant sign
training and functional analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 44,
305-314.
Autores do resumo: Adriana Miranda, Amanda Calmon, Emivaldo Machado, Lara Rodrigues, Lívia Penha e Marina Soares.
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