Comportamento, Cognição e Neurociências

Comportamento, Cognição e Neurociências

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Resumo do artigo: INFANT SIGN TRAINING AND FUNCTIONAL ANALYSIS

Apresentaremos nesta publicação os procedimentos e a metodologia utilizada por Normand, Machado, Hustyi e  Morley (2011) em um estudo em que um dos focos é estudar possibilidades de aprendizagem em um contexto de linguagem de sinais com crianças com desenvolvimento típico. Os autores partem de princípios básicos da Análise do Comportamento e o texto original pode ser obtido aqui.

O Behaviorismo Radical, princípio filosófico da Análise do Comportamento proposto por B. F. Skinner, tem um especial interesse em responder a pergunta “por que os organismos se comportam da forma que o fazem?”. Para tentar responder a esta pergunta, o Behaviorismo Radical adota um modelo selecionista de causalidade para os comportamentos dos indivíduos, análogo à Seleção Natural de Darwin. Para a Análise do Comportamento, torna-se importante buscar as funções dos comportamentos-alvo e compreender as variáveis envolvidas em seu acontecimento (e responder, entre outras perguntas: o que acontece antes do comportamento? Como ele ocorre e em quais circunstâncias? Quais são suas consequências?) a fim de poder prevê-los e controlá-los.

Tem-se conhecimento do desenvolvimento, nas últimas décadas, de muitos estudos que enfocam a importância do ensino da linguagem de sinais para crianças. No entanto, tais pesquisas costumavam ser limitadas por conta do uso de procedimentos não-sistemáticos de ensino da língua de sinais. Diante desse cenário, Thompson (et al., 2007, citado em Normand et al., 2011) desenvolveu um estudo, no qual propôs demonstrar a eficácia de um procedimento de “dica” e reforçamento para o aprendizado desse tipo de linguagem: o experimentador fornecia estímulos ou modelos de imitação para as crianças e, quando elas conseguiam fazer os sinais de modo correto, recebiam uma espécie de gratificação (chamado aqui de “reforço”).

Para Skinner, falas ou gestos que são utilizados na comunicação das pessoas (denominados comportamentos verbais) são influenciados por variáveis ambientais, ou seja, pelos elementos que fazem parte do contexto da sua emissão e pelo impacto que causam no ambiente após essa emissão. Desse modo, pode-se dizer, ainda, que estes comportamentos apresentam uma função específica no ambiente e Skinner propôs uma classificação dessas funções. Abaixo, a tabela ilustra apenas algumas das funções e denominações propostas:

Tabela 1. Denominações de comportamentos verbais
Função
Denominação
Pedido, comando ou sugestão
“Mando”
Descrever algo que está sendo visto, contactado ou sentido
“Tato”
Imitar as verbalizações de outras pessoas
“Ecóico”/”mimético”
Tabela 1: Exemplos de comportamentos verbais estudados pela Análise do Comportamento, a partir de sua função.

Os estudos no campo do Comportamento Verbal e as estratégias de ensino da linguagem de sinais descritas por Thompson et al.,(2007) forneceram subsídios para outras pesquisas que avaliaram as funções de sinais ensinados a crianças que apresentavam desenvolvimento atípico (autismo, por exemplo). Através do desenvolvimento de análises funcionais, tais estudos buscavam descobrir que elementos, estando presentes antes e depois do sinal ser apresentado pela criança, podem facilitar seu aprendizado e que impacto eles, de fato, em quem os recebe.

Esta pesquisa de Normand et al (2011) é a primeira, até a sua publicação, que relata a utilização da metodologia de análise funcional do comportamento verbal em treinos de comunicação de sinais que foi realizada com crianças com desenvolvimento típico. Seu objetivo principal foi testar a generalização desse aprendizado para além das situações do experimento após o treino dessa linguagem.

O estudo contou com a participação de três crianças (Julie e Ed com oito meses de idade e Yvonne com um ano e três meses de idade) alunas de uma mesma creche e que ainda não haviam desenvolvido a fala vocalizada. Cuidadores das crianças indicaram que tipo de alimento ou de objeto poderiam ser utilizados como reforçadores dos comportamentos-alvo: um tipo de prêmio apresentados para crianças (ou seja, que funcionariam como estímulos para que tais comportamentos voltassem a ocorrer). Desse modo, para Julie, era requerido um gesto para conseguir molho de maçã; para Ed., era solicitado um outro gesto para conseguir acesso a um chocalho; e para Yvonne, era requerido um sinal para conseguir pêras. 

Foram realizadas de uma a três sessões por dia, alguns dias por semana. Cada sessão tinha duração de cinco minutos e eram gravadas para análise posterior de observadores. Durante as sessões, não havia outras pessoas e foram contabilizados quantos sinais eram emitidos com as dicas dadas pelo experimentador e quantos eram emitidos de forma independente (sem dicas). Realizaram-se os cinco procedimentos descritos abaixo:

Linha de base inicial: Em um primeiro momento, prêmios (molho de maça, chocalho e pêra) eram apresentados a cada período de 10 segundos, independente do comportamento apresentado pela criança durante a sessão.

Treino de Sinais:  Em seguida, Para Julie e Yvonne, era apresentado o modelo do gesto logo no começo de cada sessão, ou seja, o experimentador fazia o gesto. Caso, após cinco segundos, as participantes não fizessem o sinal, o experimentador as auxiliava fisicamente, e então era fornecido o reforçador. Em cada sessão seguinte, a apresentação dos modelos era progressivamente atrasada até que, em três sessões consecutivas, as crianças apresentassem os sinais de forma independente durante o atraso mais longo. Já com Ed, a primeira dica era vocal (“O que você quer?”) e, caso o sinal não fosse apresentado em até cinco segundos, então o experimentador repetia a pergunta apresentando o chocalho. Caso, ainda assim, não houvesse a resposta-alvo após cinco segundos, os modelos seguiriam como os das meninas.
As outras três etapas encontram-se sintetizadas e descritas na Tabela 2 abaixo.

Tabela 2.
Retorno à linha de base
Retorno ao treino de sinais
Análises Funcionais
Procedimento similar à primeira fase, no entanto, o período entre a liberação de reforços era somado à metade do período entre as respostas apresentadas na fase de treino. 
 Procedimentos parecidos aos da primeira fase de treino, entretanto, o atraso para as dicas verbais ou de modelo se mantinha constante (cinco segundos). As sessões continuavam até que se observasse um aumento da emissão independente de sinais.
Ocorria entre as fases de retorno ao treino de sinais. Para realizar análises funcionais, foram realizadas sessões testes e sessões controle, que permitiam O principal objetivo aqui era avaliar a função dos sinais emitidos como um mando, um tato ou um mimético.
Tabela 2: Outros procedimentos realizados pelos experimentadores para obter os resultados.

Os resultados indicaram que durante as sessões de Linha de Base Inicial, dois participantes (Julie e Ivonne) não emitiram sinais, enquanto, o participante Ed emitiu sinais independentes que diminuíram a zero dentro de quatro sessões. Durante a fase do Treino de Sinais, houve o aumento de gestos independentes para os três participantes. Com o Retorno à Linha de Base, os participantes Julie e Ed, diminuíram a emissão de sinais a zero dentro de cinco e três sessões, respectivamente. A participante Ivonne, inicialmente, aumentou a emissão de sinais que foi seguida por uma diminuição imediata a níveis próximos de zero. O Retorno ao Treino de Sinais indicou que para os três participantes houve um aumento do sinalizar independente a níveis mais altos do que os observados durante a fase inicial do treino de sinais. As Análises Funcionais indicaram que os três participantes sinalizaram mais frequentemente durante as sessões do teste de mando, com poucos sinais observados durante a condição de teste mimético, no entanto, o participante Ed também sinalizou, ocasionalmente, durante a condição do teste de tato. Esses resultados indicam que os sinais para “molho de maçã”, “pêra” e “chocalho” funcionaram como um mando e um mimético para os participantes Julie, Ivonne e Ed, respectivamente.

Como já visto em outros experimentos e diante de algumas condições, as crianças que participaram do estudo aprenderam os sinais (em alguns momentos fica mais claro do que em outros) ao longo de algumas sessões. Além disso, muito embora estas análises tenham sido feitas em indivíduos com o desenvolvimento típico, também demonstra subsídios com jovens crianças com autismo ou outro desenvolvimento atípico.

Os resultados podem ser importantes para entendermos como se dá o desenvolvimento da linguagem e utilizar na aquisição de programas que ajudem a desenvolver a mesma. Porém, é importante que as investigações nessa área não parem por aqui. Descrições são necessárias como ferramentas de práticas clínicas que visam acompanhar o progresso e identificar possíveis déficits. Talvez, o entendimento mais completo em cima da aquisição da linguagem  proporcione uma tecnologia de ensino mais eficiente e efetiva.


Para refletir...!
1 – Com base nos resultados alcançados nesse trabalho, a partir da Análise Funcional do comportamento verbal, haveria algum “ponto de encontro” entre Análise do Comportamento e outras disciplinas?
2 – Diante do que foi exposto, qual a contribuição de pesquisas nesse sentido para o ensino de linguagem de sinais?
3 – Seria viável/possível uma “prática” escolar com base nos recursos da Análise Funcional do comportamento verbal que auxiliasse um melhor desenvolvimento da linguagem em crianças com desenvolvimento atípicos (agnosia, por exemplo)?


Bibliografia Básica
Normand, M. P., Machado, M. A., Hustyi, K. M., & Morley, A. J. (2011). Infant sign training and functional analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 44, 305-314.


Autores do resumo: Adriana Miranda, Amanda Calmon, Emivaldo Machado, Lara Rodrigues, Lívia Penha e Marina Soares.


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Neste quadrinho, o personagem principal emite comportamentos verbais não-vocais (isto é, fazendo uso da linguagem de sinais) à esposa e demonstra algumas das situações cotidianas de uma pessoa com problemas auditivos. Clique na imagem para vê-la em seu tamanho original.

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